Com novos debates sociais relativos às questões de igualdade racial, gênero e classe, falar sobre pobreza menstrual tornou-se uma necessidade. A problemática, que converge diretamente todas as esferas comentadas, pode ser definida como a falta de acesso a recursos básicos como absorventes, papel higiênico e sabonetes; à infraestrutura adequada, como banheiros, água e saneamento básico; e à negligência de conhecimento sobre o assunto, que impacta diretamente mulheres, meninas, homens e meninos transgêneros por todo o mundo.
Antes tratado como um tema escondido e indiferente a uma parcela considerável da sociedade, a menstruação foi atrelada à desinformação e à marginalização social. De acordo com uma pesquisa global divulgada em 2016 pelo Clue, aplicativo internacional de calendário grátis para menstruação, foram encontrados mais de 5 mil eufemismos para a palavra menstruação em cerca de 190 países.
Jornais, miolos de pão, roupas velhas e tecidos não desenvolvidos para essa finalidade apresentam-se como as principais opções para aqueles que não têm fácil acesso aos produtos, que se tornam “itens de luxo” para boa parte da população. Segundo a pesquisa “A relação das brasileiras com o período menstrual e o fenômeno da pobreza menstrual”, promovida pelo Instituto Locomotiva, 77% das mulheres com 16 anos ou mais já tiveram que usar papel higiênico, panos e toalhas de papel para conter o fluxo menstrual. E claro, vale salientar que o perfil majoritário é o de mulheres entre as classes D e E, negras, das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste e empregadas sem carteira assinada ou desempregadas.
Ao falarmos sobre dignidade menstrual é extremamente importante e relevante também entendermos seu papel na luta pela igualdade de gênero, já que os ensinamentos e recomendações desde a primeira menstruação estão deliberadamente ligados a ideia de controle social imposta sob o corpo feminino.
Além disso, segundo o relatório Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos, realizado pela UNFPA e pela UNICEF, é possível observarmos que cerca de 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e 321 mil alunas brasileiras estudam em escolas que não possuem banheiro em condições de uso, dentre as quais 121 mil delas estão no Nordeste. Ou seja, os impactos causados fortalecem a disparidade educacional.
A falta de um pilar tão importante evidencia a desigualdade social e de gênero. Ao perpetuarmos o déficit no ensino de mais da metade da população, já que segundo o IBGE, a população brasileira é composta por 51,1% de mulheres, temos um impacto até mesmo em espaços corporativos, em que mulheres seguem sendo diminuídas por questões relativas à famosa TPM e trabalham em lugares que não oferecem bem-estar e infraestrutura para a vivência durante o período.
Como forma de combate a esse problema, que precisa ser visto como uma preocupação de todos, a educação sexual torna-se intrínseca. Aqui, falo diretamente sobre conhecimento acerca do próprio corpo, entendimento de seus próprios ciclos biológicos, aprendizado sobre suas necessidades e sua autopreservação.
Todo esse conhecimento é extremamente significativo no confronto direto à raiz desta questão e trata-se de uma demanda mais do que relevante para todo o sistema educacional. Por isso, nós da Pantys, primeira marca de calcinhas absorventes da América Latina e única clinicamente testada no mundo, desenvolvemos a Cycle Foundation, plataforma que leva conhecimento e doações de produtos menstruais a escolas espalhadas pelo País desde 2018.
Atrelada aos novos hábitos de consumo, impulsionados pelo fortalecimento da pauta ESG por empresas e pela Geração Z, temos algumas soluções possíveis para esse cenário, com o intuito de diminuirmos cada vez mais os impactos da pobreza menstrual. Produtos reutilizáveis, como as próprias calcinhas absorventes e os coletores menstruais – este último, com ressalvas devido a dificuldade de acesso a banheiros sofrida por muitas meninas, comentada anteriormente, e sua necessidade de higienização -, estão diretamente atrelados às maneiras de levarmos dignidade menstrual a milhares de pessoas e ainda construirmos uma mentalidade mais sustentável ao redor do mundo.
Além do benéfico impacto ambiental, estamos falando sobre uma mudança a fim de facilitar a falha distribuição de métodos menstruais e diminuir os altos custos logísticos da entrega mensal de absorventes para diversas pessoas. A redução do descarte inapropriado, problema que atinge até mesmo muitas comunidades indígenas, e a geração de toneladas de resíduos também aparecem como pontos principais, já que, considerando o cenário atual, estamos falando de uma realidade em que cerca de 15 bilhões de absorventes são descartados todo ano no Brasil.
Tudo isso, sem levarmos em conta as questões relacionadas à inclusão, muitas vezes impossibilitada aos grupos de pessoas autistas, com alguma deficiência física e homens trans, devido à dificuldade e ao desconforto em utilizar métodos comuns e descartáveis normalmente oferecidos.
Uma mudança de hábito e de mentalidade assídua pode ser sim um caminho mais longo, mas nosso maior intuito é sempre proporcionar a democratização de produtos sustentáveis, incluindo cada vez mais pessoas. Itens reutilizáveis são a melhor – para não dizer a única – solução efetiva, viável e mais econômica, que além de entregarem maior escalabilidade, proporcionam uma resolução mais duradoura, ao contrário de unidades descartáveis e padrões do mercado, que trazem um resultado mensal e, na grande maioria das vezes, escasso. Termos essa mentalidade é a melhor maneira de proporcionarmos uma solução concreta a longo prazo.
A junção e a participação de diferentes setores, seja público, privado ou organizações não governamentais, também é extremamente necessária e trata-se de um posicionamento mais do que obrigatório e essencial no combate direto a esse problema econômico e social, que, infelizmente, suprime um direito básico de todas as pessoas que menstruam.
De qualquer forma, todo movimento contra a pobreza menstrual é importante e, por isso, deixo aqui meu convite para que você também participe ativamente dessa luta.
Fonte:
Emily Ewell - CEO e co-fundadora da Pantys
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