Uma semana antes de a cidade de Davos desempenhar seu papel habitual de anfitriã anual do Fórum Econômico Mundial, que começa nesta segunda-feira, a principal pergunta não era qual seria a agenda dos líderes empresariais e políticos, mas sim se haveria neve suficiente para esquiar. A cidade suíça está a 1.560 metros de altitude, mas as montanhas, em vez de neve, exibiam grama seca.
A neve apareceu às vésperas do fórum, cujo tema este ano é "Cooperação em um Mundo Fragmentado". Ainda assim, as temperaturas acima do normal para janeiro mostrarão aos participantes do evento, que compõem a elite econômica global, a realidade do aquecimento global.
Davos não é apenas palco de discussões de alto nível sobre o mundo em mudança. A cidade abriga uma estação meteorológica que contém a mais longa série de dados diários de profundidade de neve em alta altitude. Os cientistas descobriram que as tendências registradas lá são replicadas nos Alpes.
Imagens de satélite mostram que a cobertura de neve no verão caiu 10% nos últimos 40 anos. Isso não parece muito, até você olhar para a profundidade da neve que se acumula durante o inverno. Em comparação com 1971, quando ocorreu o primeiro Fórum de Davos, a camada de neve diminuiu mais de 40%, em média.
Quando a neve desaparece, ela é substituída por árvores, o que não é bom. A folhagem escura absorve o calor do sol, que antes era refletido pela neve branca. Isso causa ainda mais aquecimento, de acordo com Sabine Rumpf, professora da Universidade de Basel, na Suíça, o que cria um círculo vicioso de aumento da temperatura.
Gail Whiteman, professora de sustentabilidade na Exeter Business School, no Reino Unido, diz esperar que a elite de Davos tenha este ano um verdadeiro choque de realidade. “A Suíça no inverno deve ter neve. Não é só que você não pode esquiar tanto quanto gostaria. Toda a cadeia da biodiversidade muda, porque as árvores começam a pensar que é primavera, e as moscas também.”
Apesar de décadas de mudanças graduais, os riscos representados por um planeta em aquecimento não eram uma prioridade para a elite mundial até recentemente. Exceto durante a pandemia, líderes empresariais e chefes de Estado se reúnem em Davos todos os anos desde 1971.
Este ano, mais de um terço das discussões do painel na agenda oficial estão ligadas às mudanças climáticas, juntamente com a discussão usual sobre a saúde da economia global e o delicado estado da geopolítica. Mas a primeira menção ao “clima” só ocorreu em 2014.
Mesmo essa mudança exigiu anos de esforços de quem estava fora do evento, contou Gail ao podcast Zero, da Bloomberg Green, para convencer os líderes empresariais e políticos de que eles estavam subestimando demais os riscos do aquecimento global.
Gail dedicou sua carreira a levar as ciências naturais às salas de reuniões corporativas. Depois de passar um tempo no Ártico canadense, que está esquentando muito mais rápido do que outras partes do mundo, ela estava determinada a levar a mensagem de urgência a Davos. O lema era “o que acontece no Ártico não fica no Ártico.”
Mas foi uma batalha difícil.
Sem o passe mágico necessário para passar pelos guardas de segurança armados de metralhadoras no Centro de Convenções de Davos, e chocada com o custo de alugar qualquer coisa na cidade, Gail teve a ideia de construir um “acampamento base", assim como os alpinistas fazem para escalar o Everest, que também sofre um derretimento glacial sem precedentes.
Em 2017, Gail montou sua tenda um pouco distante do Centro de Convenções. A tenda funcionava como espaço de apresentação durante o dia e quarto à noite.
“Ficamos muito gratos por qualquer jantar que alguém nos deu durante o Fórum de Davos”, conta Gail. A iniciativa funcionou, com mais de com pessoas aparecendo no primeiro ano, e assim nasceu o Arctic Basecamp.
Nos anos seguintes, a tenda se tornou um lar para cientistas climáticos e ativistas que nunca tinham ouvido falar de Davos ou não tinham dinheiro para ir. A principal mensagem era que o que acontece nas extensões congeladas da Terra tem impacto em todo o mundo, desde o aumento do nível do mar até a mudança nos padrões das tempestades.
A onda de frio nos EUA empurrou as temperaturas no Texas para bem abaixo de zero em dezembro e a véspera de Ano Novo incomumente quente que a Europa experimentou estão ligadas a interrupções no vórtice polar causadas pelas mudanças climáticas.
Na linguagem de Davos, no entanto, o derretimento do gelo glacial tem repercussões econômicas monumentais. A produtividade das plantações de trigo do mundo está diretamente ligada às temperaturas nos pólos, diz Gail, dando apenas um exemplo das conexões globais.
No acampamento de Gail, os cientistas informam os líderes empresariais sobre o que esses riscos significam para os lucros corporativos e por que ajudar o mundo a atingir as metas de redução das emissões é do interesse financeiro deles.
Mas Gail também é a primeira a reconhecer que o progresso na conscientização será em vão se as emissões de gases do efeito estufa não caírem. Em 2022, o mundo atingiu um recorde de emissão depois que a crise energética provocada pela guerra na Ucrânia levou alguns governos a voltarem a queimar carvão.
Ainda assim, cada reunião que Gail tem com os poderosos em Davos lhe dá mais otimismo. Em 2018, ela foi abordada pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que ficou curioso com a tenda. Gail mostrou que o gelo no Ártico dá provas de o aquecimento hoje observado não tem precedentes em mais de 800 mil anos.
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