Dan Vermeer, diretor executivo do Centro de Energia, Desenvolvimento e Meio Ambiente Global (EDGE) da Fuqua, escola de negócios da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e ex-líder da Global Water Initiative da Coca-Cola, lançou um estudo, em parceria com outros colegas, que aponta a necessidade urgente da redução no consumo e produção de plástico. "Reciclar não basta", afirma.
Segundo a publicação, entre 1950 e 2017, a produção global de plástico aumentou 174 vezes e deve dobrar novamente até 2040. Cerca de 79% dos resíduos plásticos gerados por essa produção acabam em aterros sanitários ou no meio ambiente, e apenas 9% são reciclados e apenas um décimo dessa quantidade chegou a ser reciclado mais de uma vez nos últimos 50 anos.
"O sistema de reciclagem é complexo e faltam regulamentações eficientes para o avanço. Contudo, percebemos empresas que anunciam compromissos para mudar um pouco o cenário", afirma. Em entrevista exclusiva à EXAME, Vermeer apresenta os desafios da cadeia do plástico, a importância da economia azul ao olhar o potencial dos oceanos e a necessidade de inovações.
Por que o uso de plástico é um dos grandes desafios na sustentabilidade e nas mudanças climáticas?
Nada define mais a vida atual do que o plástico: o material está em todo lugar, protege nossa comida, nos protege em hospitais, envolvem os produtos que usamos e mais. Muitas soluções foram e continuam sendo desenhadas a partir do uso do plástico. Dito isto, eu não sou contra o material, sou contra o uso único e o desperdício. E, quando olhamos para as estatísticas de para onde os plásticos vão, cerca de 30% são de uso no longo prazo, em carros e prédios, por exemplo, mas a maioria são de uso único; e disto, apenas 9% são reciclados.
Por que apenas 9% são reciclados?
A reciclagem é complicada porque existem diferentes tipos de plástico, sendo pelo menos sete tipos principais. Isso torna desafiadora a separação e a reciclagem em si. Mesmo aqui, na Universidade, vemos as pessoas, por exemplo, colocando o plástico no lixo errado -- um exemplo no microcosmo que se repete no mundo todo e mostra como o desafio é grande e como, primeiramente, é preciso uma mudança de hábito de todos para o avanço.
Outro ponto é que são necessárias inovações para além das práticas individuais. Atualmente, é mais barato comprar resina nova do que reciclada, o que não motiva a indústria a agir de outro modo. Segundo os dados, 8.4 milhões de toneladas de plástico foram produzidas desde 2015, sendo 70% de uso único. É por estatísticas como esta, que num cenário em que nada mude, espera-se que o oceano contenha 1 tonelada de plástico para cada 3 toneladas de peixes em 2025 e, em 2050, mais plásticos que peixes.
É possível mudar este cenário?
Acredito que sim. No estudo que citei, a maioria das pessoas, em 2015, estavam interessadas em pesquisas sobre o problema e o fato de que o plástico no oceano vem do uso na terra. Mas, para a mudança, temos que reduzir o que usamos e produzimos. Para isto, é preciso olhar para materiais naturais, biodegradáveis, etc.
Se, quem produzissem ou lançasse o plástico no mercado fosse responsável pelo ciclo de vida do insumo, as coisas seriam diferentes. E isto é possível de acontecer por meio de regulamentações , em algo como o Protocolo de Montreal -- que a partir de 1989 incentivou os países a se comprometerem com a eliminação gradual da produção e do consumo de substâncias que destroem a camada de ozônio.
Há, na indústria, bons exemplos na busca pela redução do uso do plástico?
Em conjunto com vários coautores da Nicholas School of the Environment, da Duke University, foi publicado um artigo na revista que examinava os compromissos corporativos para reduzir a poluição plástica. Como parte da análise, os pesquisadores revisaram os relatórios anuais de quase 1.000 das maiores empresas do mundo e descobriram, por exemplo, que 72% das 300 maiores da lista Fortune Global 500 fizeram algum tipo de compromisso voluntário para reduzir a poluição plástica. Mas, a maioria deles é relacionado a fazer isso a partir da reciclagem.
Além disto, os programas voluntários são críticos. As companhias se unem em coalizões e compartilham boas práticas, mas percebemos um envolvimento maior de grandes organizações como Coca-Cola, PepsiCo, Nestlé, Unilever e Mondelez. Todas as companhias precisam compreender o problema, o ciclo de vida do plástico, e intervir desde a criação até o fim do produto. Grande parte do lucro das petroquímicas continua sendo da produção de plásticos e elas trabalham com movimentos que pode deixar o problema ainda maior. Por isto, reforço a ideia de que precisamos pensar em regulações.
Pequenas e médias companhias estão olhando para os desafios do plástico?
Sim, gosto muito de trabalhar com startups que resolvem problemas. Algumas delas usam plásticos retirados dos oceanos para criar embalagens dos mais diferentes produtos. Outro exemplo é a Loop, que explora modelos de economia circular e conecta clientes e empresas. O que as startups fazem é, basicamente, pensar em como mudar hábitos.
E elas fazem isto com a intenção de ganhar escala e baratear o acesso num determinado prazo. Não acho que os consumidores devam pagar mais pelas inovações.
Quando falamos de plásticos, uma das grandes questões é o resíduo nos oceanos. Como mitigar esse problema?
Nos últimos anos ajudei iniciativas voltadas para oceanos na Universidade e sinto que eles são ainda pouco valorizados na estratégia das mudanças climáticas. Apesar de haver mais mares do que terra no planeta, as iniciativas da economia azual ainda são poucas e bastante regionais.
Há uma grande oportunidade para avançar na frente marítima. Para isto, é preciso entender quais são as grandes companhias que olham para o impacto no oceano? E como melhorar as performances na redução de impacto? Quais novas startups estão resolvendo problemas nesta frente? E como fazemos delas unicórnios? Penso que essas são as questões essenciais para uma área que pode crescer muito e para onde está um dos meus focos.
Além disto, é preciso falar de emissões de CO2. Nos últimos cinco anos, ao menos 80% das grandes empresas se comprometeram com o NetZero, o que significa que elas vão buscar fortemente a redução das emissões de CO2 e, o que mais me anima: irão fazer o mesmo com os fornecedores e mudar todo um sistema em prol da descarbonização. Estou muito animado para a estratégia NetZero das companhias, especialmente no escopo 3.
É importante falar da responsabilidade das empresas por que elas estão envolvidas com as questões de mudanças climáticas, certo?
Com certeza: empresas, produção de plástico e mudanças climáticas não são questões separadas. Sabendo disto, há cinco anos lançamos o ClimateCAP, que inicialmente foi uma conferência de alunos, mas cresceu devido ao entendimento deles na importância do tema para os negócios e hoje é uma associação de mais de 30 MBAs.
Os estudantes de MBAs são super motivados no entendimento das mudanças climáticas porque eles sabem que dela vem problemas e soluções que serão oportunidades de mercado para frentes como adaptação e mitigação de riscos. Eles reconhecem também o clima define atributos de marketing e outras ações dos negócios para todas as gerações.
Aqui na EXAME temos um MBA em ESG e percebemos a necessidade dos profissionais em conhecerem mais sobre o tema. Como professor, qual a sua percepção?
Concordo com isto. Precisamos falar de onde vem as pessoas com ideias para mudar os sistemas. Precisamos de uma força de trabalho qualificada para lidar com os desafios das mudanças climáticas. São bilhões de dólares destinados, por exemplo, para o desenvolvimento de energia limpa. Então, o dinheiro está disponível, mas é preciso encontrar os talentos para desenvolver produtos ideias. Estamos em um novo momento da nova economia e o ESG é fundamental neste contexto.
Fonte:
Marina Filippe
Exame