Transição de baixo carbono, mitigação dos efeitos climáticos, regulação da divulgação de informações de sustentabilidade das empresas entre outros pontos foram as pautas discutidas na agenda ESG (sigla para social, ambiental e governança) em 2023 e que deverão nortear 2024, segundo bancos, gestores e especialistas.
Fabio Alperowith, gestor da Fama re.capital, divulgou carta com previsões “presunçosas” (nas palavras dele) que abarcam o tema para o novo ano. Sobre questões climáticas, a visão de que a melhor forma de lidar é financiar o novo (energias renováveis) e excluir o velho (combustíveis fósseis, carvão, agro, entre outros) tende a começar a mudar. O especialista aponta que deve crescer a ideia de que a transição é também um caminho.
“Vai crescer a ideia de que a transição seja também um caminho, transformando os detratores do clima, em vez de apenas excluí-los”.
Fabio Alperowitch, gestor da fama re.capital, em carta.
A BlackRock, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, aponta em relatório que a transição energética tende a ficar nas manchetes, e que um assunto relacionado tem se tornando um ponto importante no universo dos investimentos: clima e resiliência.
A gestora destaca ainda para a necessidade de as companhias se prepararem, adaptarem e reconstruírem após danos climáticos.
Para além da gestora, o BNP Paribas salientou em seu reporte anual que a maior parte do investimento nas alterações climáticas foi direcionada para a mitigação, ou seja, os esforços para abordar as causas das alterações climáticas através da redução das emissões, bem como tecnologias para captura e armazenamento de carbono.
“Contudo, como os riscos apresentados pelos efeitos físicos das alterações climáticas tornam-se cada vez mais evidentes na nossa vida cotidiana, tornou-se clara a necessidade de uma atenção adicional à adaptação”, aponta o banco.
No entanto, há uma parcela de pessoas que dizem desacreditar dos efeitos climáticos, apesar de sentir na pele os efeitos. Sobre estes, Alperowitch alerta que “negacionistas” do clima terão dificuldades em “sustentar seus devaneios”.
“As mudanças climáticas estão aí, visíveis e palpáveis. A conscientização aumentou após as ondas de calor de 2023, mas, infelizmente, tarde demais para evitar alguns impactos irreversíveis. Os negacionistas perderam, porém venceram.
Fabio Alperowitch, gestor da fama re.capital, em carta.
Litigância climática
O gestor aponta também para o fato de os mais de 70 casos de litigância climática nos tribunais brasileiros ainda ser tabu em muitos lugares, uma vez que os que litigam são vistos como “confrontadores, radicais ou baderneiros” e o litigado como vítima.
“Isso vai começar a mudar. Os litigantes começarão, aos poucos, a serem vistos como necessários agentes de mudança, e os litigados como parte do problema, não vítimas”.
Cortes do mundo afora têm se deparado com ações ligadas ao aquecimento global, mais especificamente à responsabilização de governos e empresas por ações que levam ao aumento de temperatura do planeta por organizações do terceiro setor, ministérios públicos e outras organizações.
ESG mais polarizado
A questão é que muitas pessoas ainda pensam que questões ambientais e de direitos humanos tem lado, segundo o gestor da Fama. E este é um comportamento que não deve ficar em 2023, pelo contrário, tende a piorar, em especial por 2024 ser um ano com eleições presidenciais nos EUA com o potencial de ser uma das mais polarizadas da história americana.
“As eleições [nos EUA]… vão inflamar ainda mais opiniões divididas em temas como clima, gênero, raça, imigração, entre outros. Todos sairão perdendo”, observa Alperowitch.
Segundo levantamento do New York Times e da Universidade Siena realizado em novembro, Donald Trump está na frente de Joe Biden em cinco dos seis estados mais decisivos nos EUA (Nevada, Arizona, Geórgia, Michigan, e Pensilvânia).
Mas recentemente, a Suprema Corte do Colorado considerou Trump inelegível para a presidência devido ao papel do republicano no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. O partido republicano recorreu da decisão.
Regulação: evolução ou revolução?
À medida que o investimento sustentável amadurece, o ambiente regulatório continua a se desenvolver e uma gama mais ampla de questões ESG está entrando em foco.
No segundo trimestre de 2024, a Comissão Europeia deve publicar o resultado da consulta sobre o futuro do seu Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR).
Uma proposta é substituir a abordagem atual por um esquema de categorização de fundos semelhante ao estabelecido pelos Requisitos de Divulgação de Sustentabilidade (SDR) do Reino Unido.
Segundo o BNP Paribas, o investimento sustentável ainda é uma abordagem relativamente nova e é inevitável que a regulamentação continue a se desenvolver em um ritmo acelerado, mas resta saber se o SFDR vai significar uma revolução ou simplesmente uma evolução.
“O quadro global acrescenta uma camada de complicação, com a regulamentação sobre a sustentabilidade dos investimentos em andamento nos EUA e na Ásia. Nos próximos anos, o desafio para gestores de ativos globais deverá conciliar os diferentes requisitos das regulamentações regimes em todo o mundo, assegurando ao mesmo tempo que os seus esforços trazem clareza e não confusão, para investidores”.
BNP ParibaS, EM RELATÓRIO.
O Brasil é pioneiro ao adotar o padrão global ISSB (International Sustainability Standards Board) de reporte de sustentabilidade que começa de forma voluntária em 2024 e vira obrigatória em 2027.
O país anunciou recentemente as duas primeiras normas de sustentabilidade do International Financial Reporting Standards (IFRS), responsável pelo padrão contábil global.
Isso porque os resultados econômico-financeiros já não são mais suficientes para medir os riscos das empresas, sendo essencial que informações sobre ESG constem nos reportes para que os stakeholders tomem suas decisões. Porém, para a mensuração dos dados como valor tangível é fundamental que seja auditável. Por isso surgiram as normas IFRS S1 e IFRS S2.
No entanto, o gestor da Fama aponta que há efeitos colaterais, já que o caminho escolhido reporta as informações de sustentabilidade das empresas e como tais assuntos impactam a respectiva companhia.
Segundo Alperowitch, um outro caminho que poderia ter sido escolhido era o da “dupla materialidade”, que também reporta como a empresa impacta o planeta, em seus múltiplos stakeholders – da mesma forma que caminha a Comissão Europeia.
“Algumas empresas vão começar a discutir em 2024 a adoção do ISSB, reforçando a cultura do acionista (shareholder) em detrimento da do stakeholder, que é para onde deveríamos rumar.”
Brasil rumo à COP
Já sobre o Brasil sediar a COP-30 em Belém, entre 10 e 21 de novembro de 2025, o gestor diz em sua carta que as discussões no próximo ano estarão desfocadas, com o foco mais no evento do que em seu legado.
“Vamos gastar energia tentando impressionar e apresentar grandes conquistas passadas ao invés de criarmos algo duradouro para as próximas décadas”.
Fonte:
Janaína Ribeiro
investnews