Com potencial para ser um dos maiores produtores de hidrogênio verde do mundo, o Brasil tem vantagens naturais associadas a uma matriz elétrica predominantemente renovável. Um projeto desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa e Inovação (RBCIP) e a Aliança da Inovação de universidades do Rio Grande do Sul promete transformar esgoto em água limpa para a produção de hidrogênio verde — fonte de energia não poluente que pode substituir combustíveis derivados de fontes fósseis, como a gasolina, o diesel, o gás e o carvão.
Em uma iniciativa piloto, o grupo estruturou uma rede de laboratórios para a criação de um Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Energia Renovável e Hidrogênio (CDT-ERH). Será a primeira planta de produção de hidrogênio do país a partir da integração de três fontes: energia fotovoltaica, eólica e a energia do GRID (o sistema nacional de energia elétrica).
Fazem parte da Aliança da Inovação a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Além da utilização como combustível, os pesquisadores devem avaliar outros usos importantes para o hidrogênio: a produção de gás sintético, e diesel verde, chamado de HVO, de metanol verde, de amônia verde e de fertilizantes verdes.
Tecnologia
No Centro, com o uso de um reator, o esgoto será tratado, e a água limpa servirá para a produção de hidrogênio verde. "A ideia é trabalhar com a viabilidade técnica e econômica do hidrogênio verde não só na esfera pública, mas também na iniciativa privada. Pretendemos envolver em torno de 500 pessoas trabalhando direta e indiretamente nesse projeto, que deve atrair muitos investimentos e ter um impacto muito grande na economia local", disse o pró-reitor da UFRGS, Geraldo Jotz.
O hidrogênio verde (H2V) é obtido por meio de um processo químico conhecido como eletrólise, em que se utiliza corrente elétrica de fonte renovável para separar o hidrogênio do oxigênio que existe na água. Segundo o presidente da RBCIP, Marcelo Fiche, a iniciativa é diferente de todas as existentes no paós.
"É uma planta piloto que, além de produzir hidrogênio a partir de energia fotovoltaica, energia eólica e a energia do GRID, permitirá estudos com a integração das três fontes — o que é inédito no Brasil. O objetivo é formar um centro de excelência em hidrogênio verde no sul do país para que empresas privadas possam desenvolver suas pesquisas em parceria", explicou.
Ganhos na exportação
Fiche afirmou que a produção pode, ainda, gerar um valor adicional na comercialização de commodities. "Há uma tentativa de aproveitar o hidrogênio para gerar maior valor agregado em produtos que o Brasil produz. Ao invés de exportar aço, por exemplo, o país pode exportar aço verde (produzido a partir de energia não poluente), exportar amônia verde, e agregar valor. E a própria cadeia de produção de equipamentos na indústria que está nascendo, fortalecendo a indústria nacional", avaliou.
Atualmente, o Brasil não fabrica efetivamente o hidrogênio verde, mas possui alguns projetos em andamento. No entanto, estudos apontam um potencial para a liderança mundial de combustíveis limpos. O país tem 87% da matriz energética oriunda de fontes renováveis, como hidrelétricas, painéis solares e usinas eólicas, com capacidade de expansão dessas fontes.
Uma pesquisa publicada em janeiro pela consultoria alemã Roland Berger, intitulada Green Hydrogen Opportunity in Brazil (Oportunidade de Hidrogênio Verde no Brasil, em português), mostra que o país poderá faturar R$ 150 bilhões por ano com o mercado de H2V até 2050, sendo que R$ 100 bilhões seriam provenientes das exportações da commodity.
Demanda global
Em 2021, a demanda global por hidrogênio foi de 94 milhões de toneladas. A maior parte desta demanda foi suprida por meio de fontes fósseis, geralmente gás natural. A estimativa é de que, até 2050, a demanda pelo combustível de baixo carbono chegará a algo entre 350 milhões e 530 milhões de toneladas por ano. Com o aumento do consumo, países de todo o mundo tentam usar energias renováveis para cumprir o Acordo de Paris com a redução do efeito estufa agravado pelas emissões de carbono.
A guerra na Ucrânia e a elevação do preço do gás russo fizeram vários países europeus anteciparem os planos de transição energética, em particular, os investimentos em hidrogênio renovável.
Entre os principais países que atuam no setor de hidrogênio, destaca-se a Alemanha como grande importador, bem como a Austrália e o Chile como grandes exportadores. Já a China é o maior produtor de hidrogênio do mundo, com uma produção anual de cerca de 33 milhões de toneladas, a maioria de origem fóssil, mas o país pretende ter uma produção anual de hidrogênio verde de 100 mil a 200 mil toneladas até 2025.
Fonte:
Rafaela Gonçalves
Correio Braziliense