As 36 mortes confirmadas até agora no litoral norte de São Paulo, além das 2,4 mil pessoas desabrigadas pelas fortes chuvas do último fim de semana, são o resultado de um conjunto de fatores. Os principais, segundo a meteorologista Ana Avila, do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas em Agricultura (Cepagri) da Universidade de Campinas (Unicamp), são as mudanças climáticas - fazendo com que esse tipo de evento extremo seja mais frequente - e a ocupação desordenada das cidades - o que empurra as pessoas para viverem em áreas de risco perto de encostas e morros.
Ela destaca que o Cepagri detectou que, entre 3h e 4h da manhã do domingo, no bairro de Juquehy, em São Sebastião, choveu 96 milímetros. “Isso significa 96 litros de água por metro quadrado em uma única hora. É muita água em um curto espaço de tempo. É impossível o solo absorver”, diz Avila.
Em toda a cidade de São Sebastião, a chuva acumulada foi de mais de 600 milímetros em 24 horas, ou seja, 600 litros de água, em um único dia, em uma área quadrada pouco maior que um balde. Os sistemas de escoamento não deram conta, o que causou inundação em áreas mais nobres e turísticas, além enchentes e deslizamentos em morros que causaram a maior parte das mortes e desalojamentos.
Segunda a meteorologista, as cidades brasileiras não estão preparadas para esses eventos naturais extremos, que tendem a se tornar mais frequentes em meio ao aquecimento global. “A gente tem observado um aumento da frequência dos eventos extremos e as cidades não foram planejadas para isso. Enfrentamos esse problema em qualquer localidade do país hoje”.
No litoral norte de São Paulo a situação é agravada pela maneira desordenada como as cidades foram ocupadas, em um modelo que privilegia o turismo, reservando as partes mais perto da praia a proprietários e turistas de alta renda, e empurrando os moradores fixos e trabalhadores para áreas perto das encostas.
“O litoral de São Paulo possui uma faixa estreita entre a praia e as serras do mar. Isso concentra problemas que em grandes cidades são mais diluídos”, observa o urbanista e arquiteto Nabil Bonduki. “Há uma faixa hipervalorizada do lado da estrada para a praia, onde estão os condomínios e locais turísticos, e do outro lado da estrada áreas mais desvalorizadas à medida que se aproxima mais das montanhas”, acrescenta.
Ele explica que a massa de trabalhadores do litoral norte paulista não tem condições de morar nas áreas mais valorizadas e vão se assentando, legal ou ilegalmente, próximo das encontras e morros, que são as áreas de risco. “Enquanto as casas nas partes mais valorizadas ficam desocupadas na maior parte do ano, existe pouco espaço para essas pessoas morarem e acabam indo para áreas mais inseguras”. Além disso, conforme comenta Bonduki, o poder público não dá conta de criar conjuntos habitacionais para essa população por causa da falta de espaço.
“É um problema real. A capacidade habitacional dessa região é baixa. Não são áreas para serem densamente povoadas e as áreas mais próprias para ocupação são as mais valorizadas, onde as vítimas fatais de chuvas, em geral, não conseguem habitar por questão de renda”, aponta o urbanista.
A meteorologista Ana Avila destaca que, embora a população de alta renda do litoral norte também esteja sendo afetada pelas chuvas concentradas, nesse grupo as perdas são materiais devido a inundações causadas por infraestrutura que já não comporta a dimensão de eventos extremos. Por outro lado, entre as pessoas de renda mais baixa que são empurradas para as encostas, as perdas são de vidas humanas.
“Se fizermos uma estimativa dos danos causados por um evento como esse, com certeza é da ordem de milhões. E se a gente trabalhar em adaptações e medidas de mitigação para tais eventos, o custo também será da ordem de milhões, mas vidas terão sido preservadas”, sugere Avila, pontuando que as adaptações precisam ser planejadas observando as necessidades de cada região.
Fonte:
Rafael Vazquez
Valor